Sempre que eu penso na história do Brasil e do Rio de Janeiro, automaticamente sou levado ao Vale do café, conjunto de 16 municípios, que com forte presença em Vassouras nos lembra tempos de beleza, mas de muito sofrimento também. Nosso país, cujo café é tido como um dos melhores do mundo e que ajuda na nossa economia deveria agradecer diariamente aos fazendeiros que ali se instalaram e iniciaram uma produção efetiva, infelizmente com mão de obra escrava.
O negro escravizado é símbolo de uma luta perpétua, não só por sua alforria, mas para nos lembrar da importância do mesmo em nosso passado recente e na necessidade de até hoje combater com veemência o racismo e a falta de reconhecimento. Sim, até hoje ouvimos gritos de socorro dentro de nossos corações nas bonitas fazendas, que para sobreviver se abriram à visitação pública e se tornaram santuários de belezas arquitetônicas e guardiãs de um momento muito especial da vida brasileira. Há um carinho enorme na sua manutenção e na reconstrução de uma identidade da diversidade, que foi se fortalecendo com objetos comprados em leilões e encontrados na região, que as transformaram em verdadeiros museus vivos, como a fazenda União ou ainda a Fazenda São João da Barra.
O Vale hoje é também constituído de uma cadeia produtiva forte, com identidade própria, muita musicalidade inclusive em jardins do encantamento e do sonho, onde a harpa de Cristina Braga não nos deixa nunca esquecera importância da preservação da natureza no Uaná Etê. Somos abençoados pela seresta da pacata Conservatória, pelo clima ameno de Miguel Pereira e Paty do Alferes, com seus dois ícones: um museu da cachaça e outro em homenagem ao cavalo manga larga. Nossos corações transbordam de tanta felicidade por encontrar reunidos numa única região o maior acervo de fazendas e marcas de um Brasil, cuja história precisa ser para sempre preservada.
Dentro de uma visão de que o Vale do café precisava ter uma identidade cultural e possuir uma entidade que pudesse pensa-lo, não na área operacional apenas, mas numa visão holística de preservação e busca de soluções, nasce o Preservale. Num primeiro momento, numa ação quase que individual das queridas Evelyn Pascoli e Sonia Mattos, cujas fazendas Ponte Alta e Vista Alegre guardam os primórdios do nascimento. Ambas fazem parte da história de nosso Instituto.
A evolução da comercialização do produto turístico nos remete a um novo olhar da região, com um portal em vários idiomas, com roteiros, fotografias criadas na gestão do atual presidente Nestor Rocha e sua diretoria, que deu finalmente início também à sinalização no acesso aos municípios em rodovias federais e a um processo de capacitação da mão de obra local com workshops, seminários, além-exposições virtuais dos diversos sócios e lançamento de uma revista. É um trabalho voluntário de um grupo de abnegados e apaixonados que se dispuseram a trabalhar e contam com um conselho consultivo, formado por cabeças pensantes que trazem novas ideias e, sobretudo uma reflexão continua da vida e dos seus desdobramentos.
Muita criatividade e empreendedorismo foi sendo trazido, como um museu do café, na linda São Luiz da Boa Sorte, tão bem retratada no livro de Liliana Rodrigues, uma capela construída por Niemeyer, na Santa Cecilia, que pertence à família do saudoso ex Ministro José Aparecido de Oliveira ou ainda o processo de agroecológico, tão bem estudado e colocado em prática, por Josefina Durini, a argentina apaixonada, dona da fazenda Alliança, em Barra do Pirai, que conta com produção de café sombreado e búfalos, que produzem leite.
Com poucos recursos e hoje com a criação do Vale do Café Convention & Visitors Bureau, nosso grande parceiro, o Instituto Preservale caminha permeado pela São Fernando, Cachoeira Grande, Pau Grande, Castello, Chacrinha, Barra do Peixe, entre outros e vai lançar um livro, denominado “Memórias do Vale do café”, em setembro, cuja solidariedade de Rogerio Van Rybroek está presente. Com a crença na sustentabilidade, é parte integrante do Green Peace –SOS mata atlântica. Muita vontade de nunca deixar no esquecimento o orgulho de nosso Estado, cujas autoridades pouco ou nada investiram na região.
Durante a pandemia, transformamos todas as atividades em digitais, mas nosso sonho nunca morreu e nunca morrerá, e agora com a retomada e rígidos protocolos de segurança, embora ainda com muita cautela e respeito, o Vale vai devagar retomando sua vocação turística.
É preciso ter muita fé de que tudo vai passar e que a vacina há de chegar rápido para nos dar sossego e volta de uma vida, que esperamos mais solidaria não só com a história, com os outros com a ética, a proteção da comunidade anfitriã e seu artesanato e a esperança que o mundo mudou radicalmente, que nada será como antes, como não canso de repetir, mas que o Vale do café resistirá para mostrar que valeu a pena um dia ter pensado em preservação das tradições e amor a historia!
Bayard Do Coutto Boiteux é professor universitário, escritor, consultor, funcionário público e trabalha voluntariamente na Associação dos Embaixadores de Turismo do Rio de Janeiro e no Instituto Preservale. (www.bayardboiteux.com.br)