Veneza é um parque temático de luxo em que a pessoa paga, olha e fica calada. Esse é mais ou menos o resumo feito na semana passada por seu prefeito, Luigi Brugnaro, para justificar que um restaurante próximo da praça São Marcos cobrasse a uma família de três pessoas que não falava italiano 526,50 euros (2.010 reais). Os turistas, indignados porque lhes tinham trazido pratos que não haviam pedido, pagaram a conta e escreveram uma carta ao prefeito porque essas coisas “podem arruinar a reputação de Veneza”. Não queriam reembolso, disseram. Só lamentar o ocorrido. A resposta de Brugnaro em uma entrevista à Sky 24 foi ainda mais surpreendente: “A pessoa come e bebe, e depois diz não saber italiano. Se você vem à Itália, aprenda a língua, e até um pouco de veneziano. Comeram uma lagosta e nem sequer deixaram gorjeta”. Uma explicação, em suma, que fala de todo um modelo.
A superexploração turística de Veneza, a cidade do mundo mais afetada por este setor (55.000 habitantes para 24 milhões de visitantes por ano) se aprofundou com a chegada dos navios de cruzeiro. Este ano desembarcaram 2,5 milhões de passageiros e o encanto de sua laguna voltou a se transformar em um grotesco postal com barcos gigantes a poucos metros do Palácio Ducal. Por isso, o Governo aprovou, para entrar em vigor em janeiro de 2018, a redução gradual no tráfego dessas megaembarcações. Por ora, o acesso ficará aberto aos com menos de 55.000 toneladas; os que superem esse peso serão desviados à passagem de Malamocco e atracarão no porto de Marghera, em Mestre.
Isto será suficiente? A medida responde a uma das condições impostas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para evitar que Veneza fosse eliminada da lista de cidades patrimônio da humanidade. Um plano para que o frágil ecossistema urbano de 455 pontes que unem as 118 ilhas da cidade não fique à deriva. Mas o projeto anunciado pelo Ministério da Infraestrutura e Transportes italiano não convenceu as organizações, que recolheram 18.000 assinaturas em defesa da remoção completa dos navios de cruzeiro da Laguna e seu desvio para Trieste. No momento todos os dias continuam atracando até seis cruzeiros com 4.000 pessoas a bordo.
A verdade é que Veneza se converte rapidamente em um belo cenário cada vez mais vazio. Sua população se reduziu em dois terços desde meados do século passado, também pelos estragos causados pela aqua alta – as marés que inundam os pontos mais baixos da cidade. Hoje continua a cair a um ritmo de 1.000 pessoas por ano, enquanto no mesmo período chegam mais turistas que destroem o tecido comercial e residencial. Em 12 de julho, o chefe da polícia restringiu o número de participantes e barcos na festa do Redentore. Em seguida se falou em frear o fluxo em toda a cidade, colocando obstáculos ou cobrando entrada: a caixa de pandora definitiva para a picaretagem. Mas não seria estranho, levando-se em conta que os italianos têm que pagar para ter acesso à maioria das praias.
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Fonte: Diário do Turismo